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Gabriella Sperati

A Saudade e o Luto

Por Ana Paula Aquilino

Psicóloga – CRPSP 20694

Parceira ConQuistah Consultoria Psicológica



“(...) Ela (a saudade) é a lembrança do que fomos, do que tivemos e do que perdemos. Mas também é a força que nos faz seguir em frente, em busca do que ainda não encontramos. A saudade dói, mas é ela que nos lembra que amamos, que vivemos, que fomos felizes. Sem ela, seríamos apenas sombras de nós mesmos, perdidos num presente vazio.”José Saramago, O ano da Morte de Ricardo Reis.


Saramago, como sempre, expressou de forma maravilhosa algo sobre um tema muito doloroso. A lembrança sobre o que fomos, tivemos ou perdemos é algo que todo ser humano tem, de uma forma ou de outra, e é uma característica de vida da qual ninguém pode fugir.


Mas quando pensamos apenas em saudade, estamos pulando um período de sofrimento muito importante ligado a não termos mais conosco aquilo, aquela situação ou aquele ente querido que já não está em nossa vida. Antes da dor da perda virar saudade, passamos pela dor do luto por essa perda. A saudade, como descrita por José Saramago, é resultado da maneira como vamos lidar com o luto em relação a essa perda, seja qual for.


E o que é o luto, então, afinal? Pesquisando diversos autores, cheguei à definição comum de que é um processo composto de um conjunto de reações, sentimentos e experiências de quem perde algo ou alguém.


Esse processo pode ser desencadeado pelo fim de um relacionamento; pela perda de um ente querido; de um emprego; de um sonho; pela descoberta de alguma doença, no contato com nossa própria finitude ou com a de quem amamos; a aposentadoria; a menopausa (na perda da capacidade reprodutiva e de diversas características físicas que a acompanham), entre muitas outras circunstâncias possíveis.


Já deu para entender que se referem à perda de algo ou alguém que preenchia um espaço extremamente valoroso em nossa vida. Logo, a perda fica definida por um buraco, um vazio que antes não existia.


Em geral, a pessoa é estimulada a voltar logo para sua rotina, como se este fosse o caminho para parar de sentir dor, esquecer o “buraco”. No entanto, quem já passou por um luto efetivo, ou seja, já teve alguma perda relevante na vida, sabe muito bem que essa visão é superficial e ingênua.


Não há uma regra, uma receita para o alcance da superação do luto. São processos totalmente individuais, com ritmos completamente imprevisíveis.


Depende de cada um. Pode durar meses ou anos e envolve muitas variáveis. Porém, podemos reconhecer que o processo tem fases, que podem ser aceitas e reconhecidas, não por quem está no luto, mas, em especial, por quem está junto dessa pessoa, convive com ela e quer ajudá-la. Além de reconhecer e aceitar, é importante respeitar o direito e o ritmo do enlutado para lidar com a dor.


Elisabeth Kübler-Ross (jul/1926 – ago/2004), uma premiada psiquiatra suíça, autora do livro Sobre a Morte e o Morrer (1969), foi a primeira a pesquisar mais a fundo a dor do contato com a finitude e a da perda, no luto. É reconhecida mundialmente por seus trabalhos e pesquisas.


No livro citado acima, Kübler-Ross traz as fases do luto que os pacientes geralmente apresentavam quando recebiam o diagnóstico de uma doença incurável. Em 2005, no entanto, ao publicar seu último livro On Grief and Grieving (sem tradução no Brasil), com a coautoria de David Kessler, Kübler-Ross trouxe os resultados de seus estudos sobre as fases do luto de acordo com reações de pessoas que perdiam um ente querido (viúvas, viúvos, pais, filhos que perdiam os pais, amigos que perdiam algum amigo e assim por diante).


Portanto, explora bem o assunto que estou tratando neste artigo, falando sobre as fases do luto para quem sabe que vai perder a vida, assim como para as pessoas que perderam algo ou alguém significativo para elas.


A Dra. Elisabeth nos trouxe cinco fases desse duro período que é o luto. A saber:


  1. NEGAÇÃO - Quando a pessoa recebe a notícia de que um ente querido morreu, sua primeira reação, na maioria das vezes, é dizer “não”, ou ainda “isso não pode ser verdade”. (KÜBLER-ROSS, 2008; KÜBLER-ROSS E KESSLER, 2005). Assim é, também, quando outros fatos nos trazem a perda: divórcios, perda de emprego e outras já citadas. É como se a realidade não fosse “real” e como que fosse impossível que aquilo estivesse acontecendo.


  2. RAIVA - Segundo Kübler-Ross e Kessler (2005), a raiva, aqui, não é um sentimento que possua muita lógica, na medida em que ele pode ser direcionado para qualquer coisa ou pessoa que o sujeito enlutado queira. Por exemplo, a raiva pode ser direcionada para a equipe de saúde que não conseguiu salvar a vida de seu ente querido; pode ser direcionada para si mesma por não conseguir fazer nada para reverter a situação; pode ser direcionada para a vida por ser tão injusta ou para Deus, na medida em que se questiona: “Por que, meu Deus? Por que você fez isso comigo?”


  3. BARGANHA - Aqui a pessoa começa a suplicar a Deus, a fazer promessas e juramentos de que não fará mais as coisas como antes, de que tudo será diferente. Frases como “Por favor, Deus. Se eu tiver apenas mais uma chance...”. A culpa geralmente aparece nesta fase, quando o enlutado acredita que poderia ter feito algo diferente para a situação não ter chegado ao ponto que chegou. A barganha é um sentimento que muda de maneira frequente e constante. Em um instante, a pessoa enlutada pode barganhar com Deus no sentido de pedir que seu ente querido não morra, e no outro, algum tempo depois, quando o processo de aceitação se aproxima, pode barganhar com Deus pedindo que, já que seu ente querido irá morrer, que seja de maneira indolor, sem causar sofrimento (KÜBLER-ROSS, 2008; KÜBLER-ROSS E KESSLER, 2005).


  4. DEPRESSÃO - Os autores deixam claro que é muito importante diferenciar, aqui, a depressão normal e apropriada, o estado de profunda tristeza previsível após a perda de um ente querido, da depressão em um estado patológico, que requer uma intervenção medicamentosa e é um processo presente na vida da pessoa independente da circunstância, mas que pode, claro, ser agravada por esse fato. Chamam a atenção para a questão da medicalização durante o luto: só deverá acontecer em casos de extrema necessidade e ainda ser combinada com psicoterapia, para um melhor resultado. Esta fase, quando dentro do esperado, mostra que a pessoa já está com melhores condições de aceitação e contato com a realidade, embora a tristeza se mostre intensa.


  5. ACEITAÇÃO – É a efetiva aceitação da realidade. A pessoa enlutada passa a aceitar que seu ente querido não está mais com ela, fisicamente, e que agora as coisas mudaram. É importante estar atento para a ideia de que aceitação não significa que tudo está bem e resolvido. Porém, ela propicia que o sujeito passe a encarar sua nova realidade e a dar significado a ela, na medida em que novas relações podem ser estabelecidas e que se possa aprender a viver sem a pessoa que se foi. “Nós aprendemos a viver sem aquele que se foi. Nós começamos o processo de reintegração, tentando colocar de volta nossos pedaços que haviam sido arrancados” (KÜBLER-ROSS; KESSLER, 2005, p. 25, tradução nossa).


É preciso entender que essas fases acontecem, mas não são tão bem delimitadas entre si, nem existe um prazo para cada uma delas. Como coloquei anteriormente, cada um vive o luto à sua maneira e num tempo totalmente pessoal e individual.


Além disso, alguém pode ter chegado à fase 4, depressão, e voltar para a 3, por exemplo, da barganha.


Então, você deve estar perguntando neste momento: de que vale saber de tudo isso se não há um padrão tão preestabelecido?


Bem, você concorda que, se perceber que qualquer das fases acima estiver acontecendo, sua atitude será diferente? Principalmente sabendo que é um processo, um caminho que está sendo traçado por aquela pessoa rumo à superação de sua dor. Fica mais fácil RESPEITAR o ritmo e o sentimento daquela pessoa naquele momento.


Mas, e se for você mesmo quem estiver passando pelo luto? Entender o seu

processo e respeitá-lo, também pode ajudar. Não estou falando de um processo sobre o qual teríamos total controle, só porque o conhecemos. Mas as emoções, os sentimentos e as atitudes que você pode tomar nesse período poderão a ser respeitadas por si mesmo(a) e, se alguém vier com sugestões ou exigências (por exemplo: está na hora de tirar as roupas dele(a) daqui; é preciso tirar todas as fotos para você não ficar lembrando; tem que mudar

de casa para que as lembranças não tomem conta o tempo todo etc.), atropelando o seu caminho de superação, você pode ter a tranquilidade de colocar limites e esclarecer que tudo isso será feito, porém dentro do seu próprio tempo.


Para quem está sofrendo o luto e para quem tem alguém nesse processo por

perto, é preciso saber que o processo “mal vivido”, negado ou reprimido pode

trazer consequências que vão emergir, de forma muito mais desequilibrante,

tempos depois.


Respeito é a palavra-chave para este momento, não sem se manter atento a consequências que apontem para uma interferência improdutiva por tempo longo demais. Em geral, as pessoas vão passando pelas fases e retornando, aos poucos, com comportamentos mais ou menos adaptativos, à vida cotidiana.

Altos e baixos; choros e manifestações de vontade de espairecer; isolamento e necessidade de companhia; não querer falar sobre o assunto e precisar falar muitas vezes sobre o assunto – essa montanha russa emocional e comportamental faz parte do caminho de superação.


Peça ajuda, se perceber que está difícil demais, que está doendo demais, ou se considerar o desafio como grande demais! Conhecer teoricamente ajuda, mas não resolve, efetivamente, e não há problema em buscar apoio profissional, caso esteja muito difícil lidar com a situação, seja quando o enlutado é você, seja quando alguém querido esteja passando pelo processo.


Agora sim, podemos chegar à saudade e à belíssima interpretação dessa dor, tão bem descrita pelo escritor português no início deste artigo: “(...) A saudade dói, mas é ela que nos lembra que amamos, que vivemos, que fomos felizes. Sem ela, seríamos apenas sombras de nós mesmos, perdidos num presente vazio.”


Se você estiver se sentindo assim, saiba que não precisa enfrentar o luto sozinho. A ConQuistaH Consultoria Psicológica está aqui para ajudar! Entre em contato conosco!

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