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Aborto: como auxiliar uma mãe que sofreu uma perda gestacional?

Por: Maria do Carmo Tirado



Entre os fantasmas da atuação em Psicologia Obstétrica, seguramente o aborto é a situação que mais traz medo, insegurança e intranquilidade, para qualquer mãe que gesta. O profissional que a auxiliar, precisa de especialização nessa área.


Como bem sabemos, a gravidez é a fase mais importante na vida da mulher. Nesse momento, um turbilhão de emoções e sentimentos são desencadeados. Surgem alterações femininas e masculinas (para o pai grávido) que envolvem aspectos sociais, conjugais, familiares, profissionais e, principalmente, pessoais.


A mulher se sente em pleno “poder” e “plenitude”. A palavra “mãe” significa a representação da criatividade, o próprio símbolo da fertilidade.


O ciclo gravídico puerperal (gestação, parto e puerpério) desencadeia processos importantes, não só para a mantença da gravidez em si, como também para que a mulher possa efetivamente entrar em contato com a criança, desenvolvendo um vínculo saudável na relação mãe e filho.


E quando esse processo é quebrado, como fica essa mulher? Quantas gestações programadas, desejadas, que não vingam até o final? Quantos lutos a serem trabalhados nesse sentido?


Mesmo para aquelas mulheres que atingiram o momento mágico de tornarem-se mães, quantas circunstâncias outras surgem? Depressões pós-parto, psicoses puerperais etc. Nem sempre esse paraíso idealizado se torna uma realidade.


E para aquelas que tentam, tentam e não conseguem gestar? Sobram infindáveis exames, por sinal, alguns bastante invasivos, consultas e mais consultas, culpas, medos e extrema ansiedade, com reflexos psíquicos que, muitas vezes, dificultam ou até impossibilitam essa pretensa mãe a realizar o seu desejo. Afora, as indicações para reprodução assistida, que além de onerosas, requerem dos pais - e em especial da mãe - muita estrutura emocional.


E nem sempre têm finais felizes... Tais aspectos têm que ser trabalhados psiquicamente para que o casal não se desestruture ou tome atitudes precipitadas, como de adotar uma criança "por não conseguir engravidar"- fala dita corriqueiramente no consultório - ou mesmo, não encontre formas adequadas para suprir a falta do filho desejado.


É preciso que se tenha clareza que essa substituição não é tão direta ou fácil assim. Para uma mãe que sofre a ameaça de um aborto é imprescindível que receba acolhimento do parceiro, da família e dos colegas de trabalho, além de amigos mais chegados.


Às vezes, é necessário repouso, afastamento das atividades laborais e até sociais, dependendo da fase. Muitos casos se fazem mister receber atendimento psicológico especializado e, se necessário, procurar ajuda psiquiátrica, caso tenha predisposições genéticas para distúrbios mentais.


O feto faz parte da imagem corporal feminina e, portanto, uma mulher, quando perde o bebê, pode ter a “fantasia de ir ao encontro do filho”, com risco aumentado para suicídio. Nem sempre importa a fase gestacional. Já atendi, inúmeras vezes, pacientes que perderam suas crianças precocemente e que estavam prestes a desenvolver sequelas psíquicas que poderiam perdurar indefinidamente.


Nesse momento, o atendimento psicológico por terapia breve, focal e de apoio se torna preponderante e deve permanecer até o terceiro mês pós perda, momento no qual, geralmente, já se trabalhou o luto, com menor chance de vir a cronificar sequelas emocionais.


A Organização Mundial da Saúde (OMS) define abortamento como “interrupção da gravidez antes das 22 semanas de gestação, ou um feto < 500gr, ou 16,5 cm”. Embora a incidência de abortos para o primeiro trimestre chegue a perfazer o índice de 20% - número esse muito alto - nem sempre a grávida sabe disso.


A alegria e perplexidade, ou mesmo, em outros casos, o espanto e a dificuldade em entrar em contato com a gestação, interferem, direta ou indiretamente, na forma como mulher vai viver o aborto. Ora pela felicidade perdida, ora pela culpa que permeia as mulheres que pensaram em abortar, mas desistiram e, mesmo aquelas que, efetivamente, haviam feito a tentativa, mas sem sucesso inicial. Afora as mães que se assustaram com a notícia da gravidez, mas que rapidamente aceitaram esse novo ciclo.


Atendi muitos casos de mulheres que tentaram abortos provocados sem consegui-lo, sendo que já estavam se acomodando melhor à realidade da gravidez e, quando perderam o bebê, foi extremamente doloroso. Esses casos necessitam de apoio diário. Embora no senso comum haja uma fala que afirma que quem aborta está rejeitando a criança, nem sempre é isso o que ocorre. A maior parte não é isso que ocorre!!!!


Temos que, inicialmente, uma anamnese psicológica pormenorizada, antes de entrar com os atendimentos focais e breves, norteando caso a caso (sem discriminações).


Ouvi vários relatos de pacientes que, ao chegarem em Hospitais Públicos em fase de abortamento espontâneo, foram discriminadas e tratadas com descaso. Não podemos antever os fatos e o sofrimento daquela mulher. Mesmo aquelas que propositalmente tentaram o aborto e às vezes tem que recorrer pelos gravames clínicos a um hospital, ainda assim, cabe-nos ter um olhar caridoso a essas mulheres, acolhendo e orientando, até para não praticarem o ato novamente.


Uma coisa é fato: há o arrependimento póstumo e isso também terá que ser cuidado. Toda mulher que perde o bebê fica muito insegura nas próximas gravidezes e o fato tem que ser tratado com muito carinho. Um bom companheiro, uma mãe zelosa, uma sogra respeitosa fazem toda diferença. Se necessitar de acolhimento psicológico, deve ser feito o quanto antes; se for necessária a ida a algum Médico Psiquiatra, não se deve discriminar tal opção.


Nos casos que já existem fatores predisponentes para danos emocionais, não podemos deixar de lado essas questões, sob pena de sequelas irreversíveis.


E se ainda assim, novas perdas ocorrerem, mesmo tomando todas as medidas preventivas, lembremo-nos de Madre Teresa de Calcutá, que jamais teve filhos, mas foi mais do que uma mãe para milhares de crianças... E sobretudo entendamos que nada é por acaso nessa vida. Nem sempre conseguiremos realizar todos os nossos desejos.


Mas, com certeza, ainda há muitas crianças que necessitam de nosso afago, atenção, ajuda monetária etc., mesmo que não tenham saído de nossas barrigas.


A decisão é nossa! Só nossa!


Maria do Carmo Tirado CRP/SP 42494





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