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O que define uma empresa “Inclusiva”?


É de conhecimento público geral, que existe uma Lei de Cotas para inclusão de Pessoas com Deficiência – PCDs - nas empresas (Lei 8.213 de julho de 1991), sendo que a cota a ser cumprida por cada empresa é calculada pelo número total de funcionários que ela possui.



Existe também a consciência de que incluir pessoas com deficiência pode envolver a necessidade de modificações ligadas aos diversos tipos de acessibilidade, que vão de adequações arquitetônicas (rampas, elevadores, banheiros etc.), às tecnológicas (telas e teclados de computadores com imagens e letras maiores, telefones acessíveis para surdos, elevadores com painel em Braille etc.), dentre outras, que englobam investimento financeiro em reformas estruturais e/ou aquisição de mobiliário e tecnologias específicas. Mas uma das acessibilidades mais complexas de serem instaladas numa empresa é a acessibilidade atitudinal, que representa a aceitação em relação à pessoa com uma diferença efetiva.


São muitos os desafios, mas há a lei já citada, que exige o preenchimento de vagas direcionadas às PCDs nas empresas a partir de 100 funcionários. Por que será? Por que será que essas pessoas querem trabalhar e ocupar vagas de quem não tem deficiência? Será que a capacidade de trabalho dessas pessoas supre as necessidades de trabalho de uma empresa? Será que elas podem ser produtivas?


Bem, para começar a estimular essa reflexão é preciso que saibamos que, a passos de formiguinha, as condições de mobilidade das PCDs estão mudando. Poucos bairros, poucos ônibus, algumas estações de metrô e trens já têm alguma melhoria para as condições de mobilidade dessas pessoas. Isso significa que muitas pessoas com deficiência, as mais diversas, libertam-se da dependência de acompanhantes para se locomoverem, levando a um número cada vez maior de PcDs formadas em cursos técnicos, graduadas, pós-graduadas, adquirindo habilidades e competências importantes para a produtividade do país como um todo. Ou seja, pessoas com competências e habilidades tão aproveitáveis quanto quaisquer outras.

















Mas quero levar essa reflexão a um outro patamar. Para isso, vou fazer, aqui, uma classificação que não é muito comum em livros ou artigos sobre o assunto: as deficiências visíveis ou facilmente identificáveis e as que só são identificadas, caso se preste atenção quando houver uma interação.


Explicando um pouco melhor, temos como deficiências visíveis, as físicas em geral, salvo aquelas em que a PCD utiliza próteses invisíveis e lida tão bem com elas, que nem percebemos. Como exemplos, temos próteses de pernas, alguns aparelhos auditivos, olhos artificiais/tecnológicos, dentre outras; temos também, síndromes que envolvem claras interferências na parte motora e expressiva, gerando desafios na parte psicomotora, das mais sutis às de expressões marcantes. Além dessas, existem aquelas que trazem “marcas” inconfundíveis como a Síndrome de Down, por exemplo. Enfim, estas – assim como muitas outras não citadas aqui – marcam as pessoas de tal forma, que não é preciso conhecê-las para sabermos que têm alguma deficiência. Nenhuma delas define efetivamente, a capacidade dessas pessoas trabalharem e se relacionarem. Temos muitos exemplos disso, é só olhar para os lados enquanto caminhamos pelo mundo.


Estas PCDs encaram, com muita frequência, preconceitos, isolamento e injustiças/violências sociais dos mais diversos níveis e tipos, ao caminharem pela vida, nos diversos papeis que desempenham. São pré-conceitos que, muitas vezes, inviabilizam uma atuação agregadora, produtiva e inteligente, tanto quanto de outras pessoas ditas “normais”. São vieses inconscientes encrustados nas crenças de base da nossa sociedade.


Já as deficiências não-visíveis são aquelas que, se não nos avisarem que a pessoa tem uma deficiência, vamos apenas ficar achando que tem algo esquisito com ela - o que resulta, em geral, no isolamento dessa pessoa. Falamos aqui do Autismo, de Deficiências Intelectuais leves, dentre outras, que acabam por sofrer o preconceito de formas mais sutis, mas bastante cruéis também.


Por exemplo, numa conversa informal, num transporte público, num bar, restaurante, e mesmo nas escolas ou empresas, quando não se tem a informação sobre a deficiência da pessoa, a ausência de respostas ou respostas sem uma adequação total levam os interlocutores a julgar que essas pessoas são esquisitas, antipáticas, bobas ou burras.


Nenhumas dessas “classificações” se adequa a qualquer pessoa com alguma deficiência, seja qual for. As PCDs têm limitações específicas, as quais, não necessariamente, as tornam menos capazes em relação a competências fora de sua deficiência. O julgamento sobre o quanto as PCDs podem ter capacidades não ligadas à deficiência que apresentam é comum. Visíveis ou não, as deficiências geram julgamentos cruéis.


O assunto é bastante complexo e amplo. Mas quero focar, aqui, em três fatores específicos: as empresas que precisam cumprir cotas de PCDs, as que se propõem a fazer o recrutamento e seleção desses colaboradores e as pessoas com Deficiência Intelectual, em seus diversos graus.


Devido a todo o pré-julgamento já citado, muitas vezes as empresas que contratam selecionadores para preenchimento das vagas, determinam que só aceitam candidatos, mesmo para as vagas não-técnicas, como recepcionistas, porteiros e auxiliares administrativos, dentre outras, com Ensino Médio completo. As vagas que aceitam apenas Ensino Fundamental, ficam reservadas a funções de limpeza, manutenção ou que envolvem trabalhos pesados.


Sem menosprezar qualquer tipo de vaga ou trabalho necessário dentro de uma empresa, limitar as vagas para PCDs ao Ensino Médio exclui pessoas muito capazes no relacionamento, receptividade e atuação administrativa. Pessoas com Deficiência Intelectual Leve, em geral, têm ótimas competências nas áreas citadas. A excelência no atendimento é algo que aprendem com facilidade pois, em geral, já faz parte de seus perfis – a gentileza, a afabilidade, a receptividade.


Porém, boa parte das empresas que anunciam vagas, apesar de, muitas vezes publicarem um texto falando que “suas contratações não discriminam gênero, raça/cor, religião, orientação sexual, idade, condição de HIV e deficiência intelectual ou física”, sequer oferecem a possibilidade de escolaridade abaixo de Ensino Médio. Tanto empresas contratantes quanto agências de encaminhamento de candidatos a essas vagas não levam em consideração que, se aceitam pessoas com deficiência intelectual, exigir ensino médio entra em conflito com essa declaração. Alguns formulários eletrônicos nem têm como opção, no campo formação, o “Ensino Fundamental”. Se é uma deficiência intelectual, a área acadêmica é exatamente a que fica mais prejudicada, sem que, necessariamente, outras competências também se apresentem minimizadas.


Quero explicitar, aqui, que sou mãe de uma jovem com Deficiência Intelectual Leve, com Ensino Fundamental completo e afirmo que ela tem competências muito altas ligadas ao relacionamento, receptividade e excelência no atendimento a clientes, além de várias possibilidades na área administrativa. Ela já trabalhou em uma empresa por quase oito anos, passou por três fusões com empresas maiores, desempenhando funções bem necessárias aos departamentos em que atuou e só saiu de lá porque a empresa mudou para outro município. Claro que todas essas capacidades, competências e histórico estão descritos em seu CV. Ocorre que ninguém nem olha para ele. Não há disposição ou oportunidade de olhá-lo por causa de sua escolaridade. Vejo vagas que praticamente descrevem minha filha, mas ela não consegue se candidatar por causa da limitação nos formulários de CV nos sites de seleção, sem dúvida, resultado da limitação colocada pelas empresas contratantes e pela omissão das agências de encaminhamento de vagas.




















Essas agências com áreas específicas de vagas para PCDs, obrigatoriamente, deveriam ter maior entendimento das diversas possibilidades e adequações para as vagas cabíveis às diversas deficiências e, obrigatoriamente propagar a informação aos seus clientes. Os primeiros filtros não podem ser a escolaridade e o destaque para formação. É preciso ter em mente que este tipo de seleção é diferente, mas não menos importante, uma vez que temos inúmeras empresas que se encaixam na Lei de Cotas, ou seja, empresas com, no mínimo, cem funcionários – faixa mínima que caracteriza a necessidade de preenchimento de cotas – e inúmeras outras com bem mais de cem funcionários.


Quanta contradição e negação de preconceitos e vieses inconscientes! Quanta falta de informação e de disposição em se adequar ao objetivo anunciado por essas empresas – tanto as contratantes quanto as que selecionam! Será que os gestores das agências que se propõem a encaminhar PCDs têm alguma informação sobre o assunto “PDC e empregabilidade”? Sobre as possíveis competências de cada tipo de deficiência?


Bem, essa luta não está nem próxima de uma solução. A minha luta - assim como a de muitas outras mães e das próprias PCDs - para deixar claras as competências e empregabilidades está só no início. Muitos passos já foram dados. As pessoas com deficiência já foram muito mais discriminadas e isoladas do que são hoje. No entanto, não se pode – eu, como mãe de uma PCD Intelectual não posso -, deixar de lado oportunidades de expor as limitações de um mundo que se diz “normal” e inclusivo, em relação à vida das pessoas que apresentam diferenças, as mais diversas. E aqui, claro que podemos também falar de outros tipos de diferenças: gênero, raça/cor, religião, orientação sexual, idade, condição de HIV, além das deficiências intelectuais ou físicas.


Creio que, num mundo tão cheio de diversidades, a palavra “limitação” esteja muito mais retratada nas atitudes de pessoas, instituições, empresas e dos governos do que nas competências efetivas desse povo tão cheio de diversidade que habita o planeta, os hemisférios, os países. Este país!


Talvez, voltando às definições de deficiências visíveis e não-visíveis que coloquei no início, a deficiência mais não-visível esteja no olhar de quem não consegue perceber a diferença entre os termos “limitação” e “barreiras”. Quem realmente tem limitação? Quem efetivamente é proprietário/autor das barreiras para um mundo mais produtivo?


Creio que a resposta a essas perguntas é a mesma. E depende de cada um de nós, buscarmos um olhar diferenciado, numa época em que esse assunto é cada vez mais atual e emergente. Olhem para o mundo ao seu redor, enquanto vivem suas vidas, caminham seus caminhos diários. Há muito mais para ser enxergado do que os focos que em geral damos em nosso cotidiano.


A Constituição Federal de 1988 incorporou garantias às pessoas com deficiência, proibindo a discriminação de salários e de critérios de admissão, assumindo como responsabilidade do Estado, a saúde, a assistência social e o atendimento educacional especializado, além da garantia da reserva de cotas nas empresas. A Constituição está sendo cumprida?


Os direitos conquistados na Constituição de 1988 e nas leis que surgidas posteriormente (Lei de Cotas -1991, Estatuto da Pessoas com Deficiência - 2015) foram adquiridos através de muita luta, muito grito. São direitos que falam da dignidade do ser humano em geral, não só das PCDs. Falam do direito à vida, à liberdade, à educação pública de qualidade, ao respeito. Falam do direito de estar inserido em sociedade, de trabalhar e ser remunerado, de ter assistência etc. Rompem com o passado, quando às PCDs eram consideradas “coitadinhas, incapazes e inúteis”.


De todos os direitos já citados e conquistados, será que, em pleno século 21 ainda temos o direito de discriminar ou não assumirmos nossos deveres em relação ao ser humano, seja ele “normal” ou inserido em alguma diversidade? Novamente, cabe perguntar: Qual é a população que realmente apresenta limitações?

Ana Paula Aquilino

Psicóloga Coach

CRPSP 06/20694


Parceira da ConQuistaH Consultoria Psicológica www.conquistahconsultoriapsicologica.com.br CNPJ 36.586.648/0001-39 - CRP/SP 06/8377J

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