Ana Paula Aquilino
Psicóloga Clínica, Coach, Palestrante
CRPSP 06/20694
“Quem tem por que enfrenta quase qualquer como”. Esta frase é de Friedrich Nietzsch, em seu livro Crepúsculo dos Ídolos, de 1889.
É uma frase e tanto! Ela nos diz que, qualquer que seja o desafio, conseguiremos superá-lo, se tivermos uma visão que vai além dele.
Viktor Emil Frankl (1905-1997), Psiquiatra, Neurologista, Psicólogo, criador da Logoterapia/Análise Existencial, contemporâneo de Freud, Adler e muitos pensadores vienenses de extrema relevância para a construção da visão de mundo no conturbado início do século XX, entendeu, analisou e vivenciou esta frase, de maneira tão intensa, que não temos como discordar do sentido encontrado.
Frankl era judeu, viveu a infância durante a primeira grande guerra, com sérias privações – não pela sua classe social, mas pelo contexto da guerra - e, na segunda, já adulto, profissional respeitado em seu meio, recém-casado, foi para os campos de concentração alemães, passando por 4 deles, ora trabalhando como médico prisioneiro, ora em trabalhos forçados, em geral tão desgastado, machucado, e doente quanto todos os outros prisioneiros nesses lugares.
Antes mesmo de passar pelos campos de concentração, Frankl já tinha sua teoria sobre o sentido da vida construída, sendo que seus escritos para o livro foram confiscados quando chegou em Auschwitz. Ele o reescreveu em poucos dias, ditando para algumas pessoas, logo após a libertação do campo onde era prisioneiro, ao final da guerra.
Em seguida, escreveu seu livro mais famoso, um best seller em diversos países, “Em busca de sentido – Um Psicólogo no campo de concentração” (1945). A primeira edição brasileira saiu em 1981, pela editora Sinodal.
E, após esse, mais algumas centenas de livros e artigos foram escritos por ele e a respeito dele, esclarecendo sobre o sentido da vida e sobre a visão diferenciada sobre o que é ser um ser humano.
Uma das definições que Frankl traz sobre ser um Ser Humano fala sobre ter escolha, ter liberdade para responder de forma individual às questões que a vida nos traz. Uma situação pode abarcar a vida de muitas pessoas, e cada uma vai dar uma resposta diferente ao contexto que se apresenta.
Imaginem a situação tão atual de pessoas que precisam deixar tudo que construíram e, às vezes até pessoas importantes na vida delas, para se refugiarem em outro país, com outra cultura, clima, língua, enfim... É um deixar/perder muito para viver algo totalmente diferente e desconhecido, sem a opção de ficar. São pessoas que se veem praticamente expulsas do local onde vivem, por uma guerra ou uma tragédia da natureza. Qual a única escolha que resta a essas pessoas? Dou 10 segundos para você tentar responder: 1, 2, 3...
Só resta a elas, escolherem como vão lidar com esse contexto tão desafiador, pois o fato, é que vão ter que deixar seus locais de origem, de qualquer forma. Como vão interpretar esse momento de dor e sofrimento?
E nesse ponto, temos uma questão muito relevante na caracterização do Ser Humano sob a visão da Logoterapia: a responsabilidade. Uma pessoa estará, sempre, ligada a outras, ainda que já as tenha perdido. Tem a ver com “diante de quem” a pessoa se sente responsável e “pelo que” ela se sente responsável, uma vez que fará, sem nenhuma saída, uma escolha, sempre.
Quando falo aqui, sobre o “por quem” e o “pelo que” podemos nos sentir responsáveis, falo, não só de pessoas ou coisas que estão comigo no momento da decisão/escolha, mas também da ideia a respeito desses aspectos. Pode ser a honra, a memória, os valores morais que adquiri ao longo da vida, podem ser, inclusive, os valores religiosos e ligados a algo maior do que eu. Não importa, é sempre em relação a algo ou alguém que está além de mim. São momentos em que eu transcendo a mim mesma, e, obrigatoriamente, me expresso por meio de uma ação resultante de uma escolha.
E é justamente neste ponto, que chegamos ao sentido da vida. Perceba que não estou falando de um momento de reflexão, interiorização ou contemplação. Falo de um momento que a vida me solicita a uma ação efetiva, a uma resposta que envolve mais do que a mim mesma. Envolve uma resposta concreta na direção de outra pessoa, de um animal, de um trabalho, de uma obra de arte, da natureza. A isso se dá o nome de autotranscendência.
O sentido da vida é algo exclusivamente humano, pois só o Homem é capaz de questionar sobre a própria existência dessa forma. É um privilégio e sempre dentro de um contexto que envolve mais do que a própria existência.
Sendo assim, o sentido da vida é relativo e mutável, na medida em que será diferente de pessoa para pessoa, de dia para dia, de hora para hora.
Uma criança ou um adolescente podem ter como núcleo do sentido de suas vidas, ter uma boneca específica ou coisas que retratem seu time de futebol preferido. E, depositarem nesses assuntos, que nos parecem tão leves e despojados de sentido, o colorido de suas vidas.
Um relacionamento pode representar o sentido da vida de alguém durante muito tempo, mas, se acabar e houver a separação, deixa de sê-lo.
O sentido da vida vem das questões que a vida nos propõe a cada momento e não o contrário. Não pode ser apontado por outra pessoa; não é inventado, mas encontrado; não é metafísico, mas concreto. A maneira como respondo às questões que a vida me propõe é que traz o sentido para mim naquele momento.
Assim, sempre podemos encontrar um sentido para a vida, em uma resposta que só nós podemos dar a ela em determinada situação, embora quem está do nosso lado pode dar outra resposta e ver outro sentido. Tem a ver com nossos valores, nossas crenças, nossa história de vida, nossas características físicas.
Desta forma, vemos na abordagem de Frankl uma visão bastante otimista em relação à vida e seu sentido: tudo pode ser transmutado em conquista positiva, dependendo da atitude que se assume.
Se a felicidade faz sentido, se as conquistas fazem sentido, as relações, as criações, a experiências – se tudo isso faz sentido, dentro da visão do “por quem” e/ou “pelo que” – a dor e o sofrimento também fazem.
Carlos Drumond de Andrade, em seu poema “Definitivo”, coloca que “a dor é inevitável, o sofrimento, opcional”. Entendamos, aqui, que a dor fará parte da nossa vida, de um jeito ou de outro, nas mais diversas intensidades. Mas o sofrimento, é a interpretação que damos a essa dor. Por isso, o sentido que daremos a cada uma de nossas dores pode definir e transformar o sentido do período de dor em uma realização interior de valores.
Frankl, no livro citado acima, “Em busca de sentido” nos traz a seguinte colocação: “A maioria (dos prisioneiros no campo de concentração) preocupava-se com a questão: será que vamos sobreviver ao campo de concentração? Pois caso contrário, todo esse sofrimento não tem sentido. Em contraste, a pergunta que me afligia era outra: será que tem sentido todo esse sofrimento (...) Pois caso contrário, afinal de contas, não faz sentido sobreviver ao campo de concentração (...) uma vida dessas (pós campo de concentração), nem valeria a pena ser vivida.”
O tema é bastante complexo e eu poderia continuar escrevendo muito sobre o assunto. Talvez, um dia, eu escreva muito mais. Mas não é para agora, não neste texto.
Chamo atenção para que não se confunda “sentido de vida” com “propósito de vida”. São conceitos diferentes e, mais para frente escreverei sobre o segundo.
Por enquanto, quero deixar algumas questões para você que está lendo agora: quais os sentidos atuais de sua vida? Você consegue transformar sua dor em algo com sentido? Que demandas a vida lhe oferece neste momento e quais são as respostas que você fornece a ela?
Lembre-se: nós, enquanto seres humanos, temos o privilégio da escolha e responsabilidade sobre ela. Portanto, algo sempre estará presente: a escolha é nossa! Só nossa!
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